Compreender a Revolução Francesa e a era napoleónica na plenitude dos seus efeitos globais não é fácil — tantas foram as transformações que provocaram nas sociedades atingidas. Portugal foi uma das nações europeias que mais sentiram o abalo causado pelas guerras napoleónicas e as suas muitas réplicas, na forma de convulsões da sociedade e do território.
A defesa da capital portuguesa nas Linhas de Torres é hoje um caso de estudo, visto, pelo menos do lado aliado, como um sucesso que garantiu ao país a sua independência. Mas o preço foi alto. Não tanto em moeda – a despesa com a construção das Linhas foi tida como irrisória –, mas pelo sofrimento da população civil – cujo número foi reduzido em perto de dez por cento –, os danos no território e a devastação do meio ambiente, com a perda de espécies vegetais e animais que ainda hoje nos é difícil calcular.
Temos procurado abordar, nos nossos documentários, aspetos menos conhecidos da era napoleónica, trazendo elementos diferentes dos habituais para a compreensão da época e do território. Depois de BonapARTE, uma incursão na arte europeia de então e na forma como Napoleão influenciou os seus caminhos, e de Napoleonaea imperialis, sobre as grandes mudanças provocadas na flora e fauna portuguesa e europeia por ação do casal Bonaparte, trazemos-lhe As Linhas do Horizonte, que lhe fala das mudanças perenes que o território nacional em geral, e a região das Linhas de Torres em particular, sofreram com a defesa de Lisboa em 1810.
As linhas do nosso horizonte parecem-nos hoje insuperavelmente belas. Não porque outras não o sejam igualmente, mas porque é da natureza das Linhas de Torres serem isso mesmo: insuperáveis.
A integração da Rota Histórica das Linhas de Torres (RHLT) no projeto europeu MED-Routes — Enhancing MED sustainable cultural tourism through the creation of eco-itineraries inside European Cultural Routes, financiado pelo Programa Interreg Euro-MED, representa um novo desafio: tornar este território uma referência para o turismo sustentável, valorizando o seu património cultural e natural, promovendo simultaneamente práticas de turismo responsável e de baixo impacto ambiental.
MED-Routes: um projeto europeu com impacto local
Aprovado a 21 de novembro de 2023, o MED-Routes é um projeto ambicioso, fruto de um consórcio internacional composto por oito parceiros originários de sete países — Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Croácia, Bulgária e Chipre — e incluindo entidades como a Federação Europeia das Cidades Napoleónicas, a Associação Internacional da Rota Fenícia, a Fundação Cultural Rota da Oliveira e a Associação Europeia da Rota da Cerâmica, assim como quatro Parceiros Associados de três países diferentes: França, Itália e Grécia.
Com um financiamento de cerca de €1M, o projeto visa promover as Rotas Culturais do Conselho da Europa. É um investimento que reflete não apenas o apoio da União Europeia à economia mediterrânica, mas também o compromisso local com a promoção de um turismo de génese histórico-cultural mais responsável e sustentável.
O MED-Routes tem como principal objetivo o desenho e implementação de oito micro-itinerários em quatro Rotas Culturais que reflitam práticas mais sustentáveis e de economia circular, com o intuito de redirecionar os fluxos turísticos para regiões menos visitadas. A proposta assenta numa nova abordagem, baseada no conceito de slow tourism, privilegiando experiências imersivas enquadradas nas tradições e no modo de vida das populações do Mediterrâneo.
Esta estratégia encontra-se alinhada com os valores de sustentabilidade, inovação e valorização do património da RHLT, afirmando cada vez mais este ativo turístico no contexto europeu.
Do diálogo à ação — uma Rota sustentável com todos, para todos
Desde o início, um dos pilares fundamentais para a implementação do projeto passa pela criação de mecanismos de transferência de conhecimento entre os envolvidos, estando o Município de Vila Franca de Xira a trabalhar em estreita colaboração com os seus parceiros europeus.
Destacam-se os encontros realizados em Faenza (Itália) em fevereiro de 2024, Varna (Bulgária) em maio de 2024 e Pafos (Chipre) em novembro de 2024, que reuniram representantes de todos os parceiros do projeto.
Desde o seu início, em janeiro de 2023, verificaram-se avanços significativos: mapearam-se as iniciativas de turismo sustentável no Mediterrâneo, identificando-se oportunidades de implementação de práticas de economia circular ao longo das rotas culturais; com base no sucesso de projetos da União Europeia, como o INCIRCLE e o EMBLEMATIC, discutiram-se modelos de impacto a longo prazo para aumentar a sustentabilidade dos itinerários turísticos; desenvolveu-se um trabalho colaborativo transfronteiriço, com a criação do Grupo de Trabalho Transnacional dedicado aos principais pilares da sustentabilidade: mobilidade sustentável, gestão de resíduos e energia renovável. Promoveram-se Laboratórios Participativos e Colaborativos com os stakeholders locais, garantindo que na cocriação dos micro-itinerários são tidas em consideração as necessidades das comunidades, garantindo uma abordagem de baixo para cima.
O Laboratório Participativo realizado na Fábrica das Palavras em outubro de 2024 pelo Município de Vila Franca de Xira reuniu 32 stakeholders da Rota Histórica das Linhas de Torres, visando o envolvimento dos diversos agentes locais. A sessão, em ambiente informal, permitiu aos participantes, provenientes de vários setores de atividade com impacto turístico — representantes de municípios, de comerciantes, de empresas, de associações culturais e recreativas e de especialistas em património — partilhar experiências, identificar desafios comuns e discutir soluções inovadoras para o desenvolvimento de um turismo mais sustentável e ecologicamente responsável na região.
A estratégia de comunicação associada ao projeto ganhou um grande impulso com o lançamento do website, em https://med-routes.interreg-euro-med.eu/ e da página de Facebook, que tem vindo a ser reforçada à medida que os parceiros vão promovendo as suas iniciativas locais e transfronteiriças.
Traçando novas Linhas numa Rota Histórica
O próximo passo do projeto MED-Routes é formalizar os oito micro-itinerários e respetivos planos de ação nas quatro Rotas Culturais, estando cada parceiro a trabalhar ativamente com os agentes locais para a criação dos seus roteiros de turismo sustentável e circular.
Atualmente, o grande desafio para todos os envolvidos no projeto é conseguir trabalhar coletivamente não só ao nível local, mas também com uma perspetiva transfronteiriça, de modo a desenvolver metodologias de trabalho que possam ser replicáveis e escaláveis a outros territórios e rotas culturais europeias.
Cada micro-itinerário criado no âmbito do projeto terá associado um plano de ação para a sua implementação, uma estratégia de comunicação e um “pacote” de materiais para serem utilizados coletivamente na estratégia de disseminação por todos os agentes envolvidos.
Mas o projeto Euro-MED tem outra grande ambição — a de criar as bases para o lançamento de um green label para certificação de itinerários sustentáveis, como os propostos pelo projeto, a ser utilizado pelo Conselho da Europa nas Rotas Culturais Europeias no Mediterrâneo.
Vamos a isso?